domingo, 22 de junho de 2008

E se falássemos de Borges? nas páginas do DN

Foi com a leitura do poema Elegia que se iniciou na passada sexta-feira, na Biblioteca Nacional, a conversa entre José Saramago e a escritora e tradutora María Kodama, antiga companheira de Jorge Luis Borges. Depois de um encontro em Lanzarote, os dois autores voltaram a reunir--se em debate público com a vida e obra de Borges como pano de fundo. A palestra-colóquio intitulada "E se falássemos de Borges?", organizada pela Fundação José Saramago, é um dos primeiros eventos que esta instituição criou para "mexer com o movimento literário nacional", como revelou a presidente da fundação, Pilar Saramago, que anunciou mais iniciativas. A primeira ocorrerá dia 10 de Julho no Teatro São Carlos e será uma sessão em torno da obra de Jorge de Sena, com a presença dos escritores Eduardo Lourenço, Pedro Tamen e Jorge Fazenda Lourenço. Saramago adiantou também futuras sessões dedicadas a José Rodrigues Miguéis e Raul Brandão. Apesar de terem sido os contos do escritor argentino que "lhe deram grande fama internacional", María Kodama revelou à plateia que "Borges sempre se sentiu um poeta e queria ser recordado como tal, mas tinha constantemente a preocupação de não conseguir chegar ao poema perfeito". A antiga companheira de Borges recordou que a primeira fase da obra do argentino foi dedicada à poesia, mas "depois de ter sofrido um grave acidente na cabeça receou ter perdido a capacidade intelectual para escrever poemas". Devido a este acontecimento, o escritor voltou-se para a escrita de contos. Mais tarde, "quando perde a visão retoma a escrita de poemas, uma vez que eram de fácil memorização". Borges foi definido por María Kodama como "uma pessoa tímida", o que contrasta com os seus relatos de "uma extrema desumanidade", como descreveu Saramago. No entanto, a viúva de Borges justificou tal violência lembrando o passado do escritor. "Em pequeno, Jorge ouviu muitos relatos violentos e, mais tarde, viu matar um homem no Uruguai."A relação de Borges com a política foi "muito complexa". No seu país foi acusado de ser um "traidor", lembrou Kodama. Por isso ele considerava a Suíça, onde viveu e acabou por falecer, "um exemplo do que podia ser o mundo se todas as pessoas fossem tolerantes e convivessem pacificamente com quem é diferente". O poema Os Conjurados, lido por Fernando Pinto do Amaral, retrata esta visão do escritor argentino. No final, Saramago foi questionado quanto à actualidade da obra de Jorge Luis Borges. O escritor comparou Borges a "um fisioterapeuta que põe a funcionar tudo o que está dentro do corpo, o que faz bem à saúde". Nesta iniciativa estiveram presentes a secretária de Estado da Cultura, Maria Paula Fernandes dos Santos, o embaixador da Argentina, Jorge Faurie, o escritor Rui Zink e Carlos da Veiga Ferreira, editor da Teorema, que publicou grande parte da obra do escritor argentino.

Notícia publicada na edição online do Diário de Notícias de 22 de Junho de 2008.