terça-feira, 8 de julho de 2008

Entrevista de Pilar del Río ao DN - 2.ª parte

María Kodama [viúva de Jorge Luís Borges] falou da dificuldade em gerir uma fundação como esta de que é presidenta. É mesmo assim tão difícil?
É difícil ser mineiro e descer todos os dias não sei quantos mil metros até ao fundo da terra! Todas as coisas são difíceis em todas as profissões e algumas têm compensações, esta tem-nas, só não tem é um ordenado.

Mas o património da Fundação José Saramago é riquíssimo!
Riquíssimo de glórias e de honra…

Há direitos autorais que vêm de todo o mundo, nos EUA já vendeu mais de um milhão de livros e está traduzido em 40 e tal línguas. Portanto, não falta verba…
É um património que equivale ao que ganham alguns executivos por mês. O autor ganha um xis de cada livro, daí ainda paga imposto e, portanto, há que vender muitos milhões de livros. E não é o caso de Saramago, isso são os autores de best-sellers, porque Saramago é um autor de culto. Deixemo-nos de fantasias de que os escritores são muito ricos, será talvez a senhora que faz o Harry Potter mas, insisto, nunca como os grandes executivos.

Mas a Fundação tem assim tanta despesa?
A Fundação José Saramago nasce na democracia e para a democracia, mas como não temos fontes de financiamento próprias – não nos nasce petróleo como na Gulbenkian – nem uma potência económica por trás, antes uma soma de muitas vontades tal como aquelas que puseram a voar a passarola do Memorial do Convento, as que realizam os grandes projectos. Essa é a nossa riqueza, ter um patrono como Saramago que sabe que do solo se pode levantar o melhor e o pior. E temos a disposição, energia e uma ideia muito clara da nossa responsabilidade. De que como cidadãos intervimos e nos organizamos ou neste mundo e com esta economia não existe saída.

O sonho é diferente da realidade?
Não colaborar no sonho de Saramago seria se cúmplice do abandalhamento generalizado e, como detestamos a cultura como adorno nas casas dos ricos, queremos antes homens sábios em todas as esquinas. Isso é democracia. Quanto ao resto, não estamos para tal.

Mas, ao fim de um ano, já pode fazer um balanço das actividades e do futuro?
Estamos a organizar-nos bem, ou tão bem como podemos, para que a Fundação não seja um sonho de uma noite de verão. Para que dentro das suas capacidades e dos seus limites – toda e qualquer organização tem os seus limites – se prepare esta Fundação para fazer tudo aquilo que possa e se possível ainda alguma coisa mais para que a cultura se manifeste em todo o seu esplendor e contradições. Somos uma Fundação, repito, para cidadãos e não para consumidores. Não podemos ir até à lua, não temos tecnologia, capital ou desejo, mas poderemos descobrir o seu lado oculto porque contamos com o melhor do mundo: a vontade humana.

Mas a Fundação vai preocupar-se com a obra de José Saramago?
Esta Fundação não nasceu para cuidar da obra de Saramago, ela está em todo o mundo e quem trata dela é a sua agente literária. O que queremos fazer é discutir as ideias porque nos fóruns que os poderes realizam, ou nos dos governos, não se quer que nenhuma ideia se solte e tenha efeito? Onde é que estão os fóruns livres? Este é um deles.

Houve reacções ao site www.josesaramago.org, inaugurado no domingo passado?
Sim, muitíssimas. Enviei uma mensagem a muitos amigos que colocaram nas suas respectivas páginas a ligação com o nosso site e recebemos respostas inesperadas.

As questões ecológicas estão nos estatutos da Fundação. O que pretendem?
É uma preocupação de Saramago, portanto, é uma preocupação da Fundação.

E isso importa à presidenta?
Sim, mas a presidenta assume o espírito da Fundação, que é o espírito que Saramago passa. Como iríamos viver tranquilamente a ler estupendos livros se o mundo está feito uma merda? Eu não posso ler rodeada de porcaria.

O próximo livro de Saramago é importante para a Fundação?
Não, o próximo livro de Saramago é importante para a literatura, porque terá aumentado o seu património. Para os leitores, porque temos um livro mais. E enquanto é bom para os demais é bom também para a Fundação.

Tem estado a ler o livro. O que acha dele?
Que é muito bom.

Diferente?
É diferente dos últimos e mais parecido com alguns dos primeiros. É um livro saramaguiano, cem por cento saramaguiano.